terça-feira, 6 de março de 2012

Homens trabalhando

Nosso trabalho é nosso ganha pão, é o que fazemos para ganhar a vida.
Trabalhei certo tempo em um shopping, destes enormes, cheio de lojas. Sou encanador, e na época eu era um faz tudo, e nesses lugares sempre juntamos um monte de coisas e histórias que podemos contar depois. Como na vez em que fui chamado ás pressas para resolver um problema de banheiro entupido. Isto acontecia sempre, mas nesse caso era realmente necessário que se resolvesse com certa urgência, pois muita gente viria naquele final de semana prolongado para fazer suas compras e não poderiam deixar um banheiro daquele jeito.
Peguei minhas ferramentas e fui até o banheiro com a encarregada da limpeza, e após a saída da última mulher, era um banheiro feminino, eu começaria o serviço. A encarregada entrou no banheiro, viu que não havia mais ninguém e me disse que fosse rápido, como sempre. Não que eu sou rápido como sempre, mais que ela sempre me dizia isto – seja rápido. Coloquei o cone com a plaquinha na porta do banheiro e entrei.
No shopping há muitos banheiros, mas aquele onde eu estava, digamos que seria o principal, pois ele fica próximo as entradas e muita gente chegava ou saia do lugar querendo usá-lo.
Fui olhando privada por privada para saber onde era o problema. Era na última que olhei. É sempre na última. É sempre a última que procuramos ou sempre que procuramos, é a última.
Estava cheia de água, vou falar água, mas deveriam ser muitas outras coisas.
Transbordava, escorria pelo chão era uma nojeira só. Sempre a última – pensei e repeti em voz alta. Talvez o motivo fosse que o cano passasse por todas antes de passar por ali para ir para rua, assim, quando entope e começa a voltar, esta é a primeira a transbordar. Este vaso recebe, pelo cano, todos os retornos dos outros, e como é uma saída de portas abertas, digamos assim, ele solta tudo para fora, e os outros, para sorte minha, que não entupissem também.
Entrei no Box. Era desse tipo comum que tem em vários lugares. Uma porta pequena, um vaso, que nesse shopping é bem confortável, o porta papel - papel macio, confesso que um dia peguei emprestado um rolo destes e levei para casa - e o espaço interno é bom, é maior que o banheiro todo lá de casa, e em volta, as paredes são de pedra que imitam o mármore, e tem também aquela distância do chão, cerca de vinte centímetros para que se possa lavar e desinfetar e em cima não chega até o teto, para que se possam espalhar os odores, aqueles de banheiro, vocês sabem.
Coloquei a mangueira com água, e nada, o desentupidor, aquele de bater e puxar e que dá pressão, e nada, tentei um químico, nada, então não havia mais o que fazer exceto quebrar tudo, é lógico, que estava fora de questão naquele banheiro, pois os encarregados me matariam, seria bem melhor isolar aquele Box, lacrar a porta e tampar o vaso, isto faria o próximo explodir ou entupir em poucas horas, mas eles arriscavam assim mesmo, ou então a última solução, como eu dizia – a ferramenta mais usada e precisa que existe, a minha mão. Ou minhas mãos. Com luvas é claro. Certa vez num caso destes a luva rasgou e não tive coragem de pegar nenhum alimento com a mão por uma semana. Por mais que eu a lavasse parecia que ela não estava limpa.
Fechei-me dentro do Box assim poderia trabalhar melhor já que a porta estava pensa e não parava toda abeta, sempre se fechava e me atrapalhava. Calcei as luvas, boas luvas que vem até no ombro, coisa minha, são luvas para fazer inseminação em vacas, e sobre elas ainda coloquei umas luvas de borracha, caso tivesse que pegar algo, estaria mais protegido.
Procurei virei agitei e não encontrei nada, havia apenas água suja. Dei descarga e o vaso se encheu até derramar. Com o tempo em que trabalho nisto fui aprendendo alguns macetes e inventando novas ferramentas. Como todos os vasos do shopping são iguais - marca, tamanho, modelo e cor-, criei um acessório, feito de zinco, ele se encaixa no vaso e toda esta água que transborda em vez de ir para o chão acaba dentro dele, é uma espécie de calha para vaso sanitário. Eu então retiro e jogo no balde. Outras ferramentas, são as espumas que enxugam o chão e não deixam a água suja se espalhar por baixo dos boxes e também, é claro, a máscara que uso, para me proteger dos maus cheiros.
Coloquei a mangueira de sugar, do tipo de tirar gasolina dos automóveis, uma ponta dentro do vaso a outra no balde, e você aperta uma sanfoninha a água sai toda, enquanto bombeava a água, ouvi que alguém entrava pela porta do banheiro - esses banheiros deveriam ter uma porta que se pudessem fechar mesmo, com uma tranca, para podermos trabalhar sossegado.
Espantei-me, mas logo pensei que pudesse ser a chefe de limpeza com uma faxineira para limpar o lugar caso eu já tivesse terminado.
Virava-me para abrir a porta quando percebi que alguém entrava na privada ao lado da que eu estava.
- Menina do céu – disse uma voz feminina – eu estava precisando me aliviar.
-É... – respondeu alguém mais longe.
Nestes banheiros existem umas 30 privadas ou mais. Uma pessoa escolheu vir na penúltima, bem ao lado da que eu estava enquanto outra pessoa ficou mais perto da entrada. Isto acontece comigo: quando estou apertando e entro em um lugar destes, uso a privada mais próxima da porta, e quando estou tranquilo, só querendo dar uma aliviada na bexiga vou às últimas privadas, já que todos usam as mais próximas da entrada do banheiro e as outras sempre estão mais limpas.
Ao meu lado percebo que a mulher não era a chefe da limpeza, pois caso fosse ela já teria me dado uma bronca. Ouvi o barulho de roupas sendo tiradas, e por baixo vi a sombra da mulher que se abaixava e sentava-se sobre o vaso. Ouvi o barulho de líquido contra líquido.
Um xiiiiiiiiiiiiiiiii, depois uma interrupção e outro xiiiiiiiiiiiiiii mais curto, outra interrupção um pouco mais longa e um xiiiiiiii mais curto seguido de outro xiiii mais curtinho.
- Ufa! Amiga, estou aliviada – disse a mulher do Box ao lado.
Pensei em sair e deixá-las mais a vontade, mas por que elas entraram no banheiro se claramente deveriam ter visto o cone vermelho e branco na entrada do banheiro com a plaquinha em cima escrita “Homens trabalhando”.
Ficarei aqui quieto e com certeza elas logo irão embora. É quase certeza que fizeram suas compras, tomaram seus sucos na praça de alimentação e, já indo embora essas madames sentiram que não aguentariam chegar às suas casas, e pararam aqui para se aliviar. Pelo menos comigo é assim.
Ouvi um barulhinho como se ela estivesse desfazendo embrulhos de roupas ao meu lado. Ouvi o barulho de sacolas sendo manipuladas e depois mais pisadas e barulho de tecido. Olhei para o chão e a sombra da mulher dançava de maneira estranha. Olhei aquilo com muita curiosidade. O barulho da descarga me trouxe a realidade. Ao apertar a válvula no seu Box, o vaso do meu transbordou e quase encheu a minha calha de coleta. Olhei para sombra novamente.
- Esta saia jeans e uma graça amiga.
- Um! -respondeu ou concordou a outra.
- Nossa você ta ruim mesmo em?
A sombra se movimentou no chão do Box ao lado. Maliciosamente - agora posso confessar - peguei meu espelhinho, uma ferramenta que eu também inventei. Trata-se de um caco de espelho amarrado na ponta de uma varinha de um metro, tem a mesma função que uma ferramenta dos dentistas, uma que eles usam para ver a parte de dentro dos dentes, eu a uso para ver as curvas dos canos, coloco dentro dos canos, ou em caixas d’água, e com a luz de uma lanterna é possível ver se estão entupidos. Estiquei por baixo da parede do Box e o que eu vi me deixou impressionado. A mulher estava usando o Box como provador de roupas. Retirei rapidamente o espelho para que ela não percebesse, mais deu tempo de ver um monte enorme de pêlos.
- Nossa! – falou a mulher. Tremi ao pensar que ela tivesse visto o espelhinho - esta blusinha ficou ótima com a saia. Os gatos vão ficar loucos. Deixa meus seios maiores.
Novamente ouvi o barulho de papel e plástico e o barulho do trinco se abrindo e a peluda saiu. Vou chamá-la de peluda.
- Stefani, vem vê só menina. Fiquei deslumbrante. A saia também valorizou minhas coxas e acentuou minha bunda.
- Um... – Um gemido foi o que a outra respondeu.
- Nossa! O que você comeu querida? Caroços de abacate inteiros.
- Foi uma massa ontem – disse a outra mulher – to ressecada.
- Querida você tem que parar com isso, já te disse. Olha! Com essa roupa nenhum homem me resiste.
- Nem o de ontem? - Respondeu a ressecada.
- Nem te conto amiga, foi horrível. O cara é muito ruim. Disse-me que ia me levar para jantar e acabou me levando numa pizzaria de quinta. Escuta só. Em vez de pedir um vinho pediu cerveja. Eu sou lá mulher de ficar bebendo cerveja em pizzaria. Olha querida foi um horror, sem contar que todo mundo ficou olhando para gente. E depois pensei que ele iria me levar para casa dele e me fazer sentir mulher, e sabe o que ele fez, me levou para um muquifo de quinze reais, agora me pergunta se foi bom, foi uma porcaria ele não deu conta, e no final quase eu peguei meu ... – a ressecada deu uma descarga e eu não ouvi o que a peluda disse - ... nele, porque eu acho que me garanto, querida. Finalizou a peluda.
- Você faria isso? - Perguntou a ressecada com sua voz rouca e dolorida.
- Já não fiz isso antes? Você me conhece. Nem sempre eu fui essa mulher delicada e meiga que sou hoje.
- Sei...
- E o pão duro só me deu trinta pratas.
- O que duro?
- Pão! Eu disse pão duro!
- Ah!
O vaso transbordou e completou a calha. Rapidamente bombeei um pouco de água para o balde.
- Nossa, querida, você tá ruim mesmo, comeu massa de ovo podre com carne de carniça, foi? Que cheiro é esse?
O cheiro era horrível mesmo, precisei pôr minha máscara.
- E você não saiu com o capitão?
- Capitão? Não é capitão Marilyn. É sargento.
- Todos têm farda querida.
- Ele não é sargento de verdade. É o apelido dele.
- Foi bom?
- Tá! Ele é outro murruga. Arranquei cinquentinha na marra.
- Antigamente a gente fazia o trabalho e ganhava bem. Hoje tem umas vagabundas que cobram vinte e deixam o cliente contente.
-É.
Ouve uma pausa na conversa das duas.
- E aqui? Quem tá aqui? – silêncio. Será que ela estava querendo saber quem estava no meu Box?
- Tem alguém ai? Perguntou a peluda enquanto batia na porta.
Confesso que fiquei nervoso. O que eu iria fazer? Sair? Pedir desculpas por estar ali? Não, claro que não, eu estava trabalhando. Eu colocara uma placa. “Homens trabalhando”. Elas não poderiam ter entrado. Elas deveriam ter lido a placa, voltado cem metros e usado outro banheiro.
- Você está bem querida? Perguntou batendo na porta novamente.
Afinei a voz e consegui dizer um sim.
Depois ouvi outra descarga e a porta abrindo e batendo, era a ressecada saindo do banheiro. Tenho uma ótima audição. É bom para escutar a água passando pelo cano, as bolhas de ar e as sujeiras dos canos entupidos.
A descarga fez com que o vaso trasbordasse novamente, caindo na calha. Na água suja apareceram muitos fios de cabelo, talvez fosse da peluda, mas não boiou nenhuma massa da ressecada, só água suja. Uma coisa brilhante subiu na água do vaso. Enfiei a mão e peguei. Era um brinco. Com uma pedra brilhante do tamanho de um grão de feijão. E uma argola que parecia mais uma pulseira. Do lado de fora do banheiro só havia o silêncio. As mulheres foram embora pensei. No vaso a água baixou. Fiquei espantado. Dei descarga e o vaso chegou de água até o meio, depois a água suja foi clareando, limpou o vaso, e desceu, só ficou a água limpinha, na altura da marca em que costuma ficar. O cano desentupiu. Provavelmente a massa da ressecada, de tão pesada, acabou levando embora a sujeira que o entupira. A gente sempre encontra muitas coisas dentro destes canos, fora o que é comum, as sujeiras, encontramos também, colheres, meias, vidrinhos de perfume, batons, celulares, óculos, dentaduras, moedas, dinheiro de papel, botões, muitas coisas que estão nos bolsos caem quando as pessoas se abaixam para sentar no vaso. Às vezes acha-se bijuteria, mais desta vez acho que tirei a sorte grande, pois este brinco é realmente muito bonito para ser bijuteria, deve ser jóia mesmo e pelo tamanho e brilho deve ser coisa cara.
Juntei as ferramentas. Limpei o chão e joguei água suja da calha no vaso, dei descarga e tudo foi embora. Estava realmente limpo. Jamais jogue sujeira no vaso quando acabou de desentupi-lo, pois poderá entupir novamente. Abri a porta e saí.
Dei de cara com as duas mulheres me olhando. Elas ficaram em silêncio na porta do Box. Esperando que alguém saísse. Uma estava de saia Jens e blusinha, deveria ser a peluda, era uma mulher enorme. A outra com voz rouca e dolorida, a ressecada, também era enorme, grandes também eram seus gogós e seus queixos, me arrependo de ter visto aqueles pelos sobre a saia, não eram somente pêlos, se é que vocês entenderam.
Elas ou eles, agora não sei bem o que falar, me olharam como quem quisesse dizer: ficou ai quietinho escutando tudo, muito bonito seu safado.
Encarei as duas, mulheres perfeitas, nas roupas no cabelo e no contorno do corpo, seios, bumbuns, coxas, mais aqueles gogós as denunciariam em qualquer lugar.
Mostrei-lhes as ferramentas, apontei a saída onde se podia ver o cone e disse: - Homens trabalhando.
Será que tem uma placa onde se lê, mulheres trabalhando, nunca vi. Men at work, no inglês.
- Nós também querido – ouvi quando recolhia o cone da porta – homens trabalhando – disse e deram uma gargalhada.
Vendi o brinco por dez mil e abri minha firma de encanador.

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