quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Papo de Astrólogo


 

Eu passava na Rua Comendador João José Jerônimo, em frente ao correio, quando avistei de longe o Zé. Fazia uns dois anos que não conversávamos, ele estava meio diferente, um pouco mais gordo, caminhava em minha direção e ele só me viu quando pronunciei o nome dele.

-          José Heitor Pereira Silva Manganês Santos do Porto Filho.

-          O que? Bel! É você? - Falou espantado.

-          Sou eu Zé!

-          Como é que você está?

-          Tudo jóia. E você?

-          Vou bem.

-          Você me parece muito bem. Está até mais moço.

-          Que nada, você está bem melhor.

-          É bom te ver rapaz. E seu irmão Totó, cadê?

-          Eu não o vejo já faz um tempão.

-          É mesmo?

-          É. Desde o enterro.

-          Que enterro?

-          O dele.

-          O dele? Ele Morreu?

-          Faz uns seis meses.

-          Sério?

-                Ele tava, mas a mulher dele não. Chorava que nem uma desgraçada.

-          Deve ser brincadeira. Você só pode estar brincando.

-          Às vezes eu brinco com meu filho.

-          Você se casou?

-          Não. É produção independente.

-          Eu sei, aconteceu um acidente.

-          É.

-          Seu irmão que morreu... Ele era o gêmeo?

-          Não. Câncer.

-          Câncer?

-          É. Igual a mim.

-          Nossa! Você também! Essas coisas são horríveis.

-          É.

-          Mas você está bem?

-          Estou.

-          E o outro? O Tié, onde anda?

-           Ele não anda, sofreu um acidente e perdeu o movimento nas pernas.

-          Coitado! Logo ele que jogava bola?

-           Não. Quem jogava bola era o Tito meu irmão mais velho. O Tié é o mais novo.

-           Lembrei-me disto quando te vi lá longe – falei - eu sempre fazia confusão entre eles dois, porque se parecem muito apesar de terem idades diferentes.

-           Todos se confundiam. Mas eu sempre fui mais magro que eles.

-           Ainda bem que eu não errei o seu nome – falei.

-           É.

-           Mas os nomes deles eu sempre trocava - tentei desconversar, mudar de assunto, para não ficar naquela conversa chata, mas o cara só tinha notícia ruim. Mesmo assim arrisquei outra pergunta.

-          E sua irmã?

-          Qual delas?

-          A mais nova. A que eu namorei.

-          Ela era virgem.

-          Era?

-          Era.

-          Mas acabou achando alguém?

-          Achou. Um escorpião.

-          Escorpião?

-          É. A coitada morreu.

-          Morreu? E não teve jeito?

-          Não, essa combinação não tem jeito.

-          Não a levaram ao médico?

-           Levamos, mas não adiantou nada. Ela foi definhando e acabou morrendo.

-          Nossa! Que terrível.

-          É.

-          Ela me parecia tão forte.

-          Não aguentou.

-          E o seu pai? Como está? - tentei mudar de assunto novamente.

-          Agora está bem.

-          Que bom. Ta fazendo o que?

-          Ta descansando.

-          De férias?

-          Não. Morreu.

-          Também?

-          É.

-          Mas ele era tão forte. Vivia sossegado lá na fazenda.

-          É, mas eu previ isto também.

-          Como assim?

-           Touro! Touro é um ser que em uma hora ta sossegado e repentinamente vem o ataque e pronto, acabou-se.

-          Coitado! Deve ter sido horrível para sua mãe?

-          Se ela tivesse visto teria sido.

-          Ela não viu?

-          Não pôde ver. Tinha morrido dois meses antes.

-          Também?

-          É.

-          E ela foi o que?

-          Ela foi peixe.

-          Peixe? Que tragédia.

-          É.

-          Morreu engasgada?

-          Não. Caiu no rio.

-          Então era piranha?

-          Não. Minha mãe era descente e não piranha.

-          Não! Quero dizer se foi piranha que atacou ela.

-          Não. Ela é que não sabia nadar e morreu afogada.

-          Quanta desgraça.

-          É.

-           Bom, eu preciso ir agora - tentei novamente mudar o rumo da conversa e sair dali. Aquela conversa me deixou muito abatido.

-          Eu também preciso ir.

-          Até logo.

-          Até logo. Foi um prazer conversar com você mais uma vez.

-          Até mais.

Fiquei pensando nas coisas que ele havia me falado. A família toda se acabou, uns morrendo outros sumindo, o irmão ficou deficiente e ele ainda estava sossegado como era antes. O papo dele era a coisa mais estranha do mundo, parecia que estava dopado. Os irmãos morreram. O mais novo morreu de câncer, o irmão mais velho sofreu um acidente, a irmã que não se casou, e que ele achava que era virgem, morreu de picada de escorpião, o pai, um touro atacou a mãe morreu afogada em um rio que tinha peixe. Que coisa estranha parece até Horóscopo.

 

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