8 - Conto - Dois Tiros

Ouviu dois tiros! Acordou assustado. Molhado de suor. Acendeu a luz do quarto, olhou ao redor. Era um pesadelo.

Dois tiros! Acordou. Respiração ofegante. Olhou o relógio sobre o criado-mudo: seis e meia. Precisava descansar mais alguns minutos.

Ouviu novamente dois tiros! Acordou. Levantou-se, não aguentava mais ficar deitado, os pensamentos estranhos invadindo sua mente, correndo rápidos em seu cérebro.
“Dois tiros” - pensou. Ficou imaginando como realizar seu plano.
Pulou o muro da casa. A porta da cozinha estava aberta. Entrou. A mulher estava passando roupas. Era uma mulher bonita. Quadris largos. Cabelos compridos. Loira. Aproximou-se sorrateiramente. De costas ela não percebeu nada. Dois tiros. Um nas costas, outro na cabeça quando a mulher já estava caída.

Acordou. Levantou-se. Olhou-se no espelho. Estapeou o rosto para ter certeza de que agora estava acordado mesmo. Tomou um longo banho. A água fria descia por seu corpo, revigorava. O cérebro tinia. Saiu caminhando sem rumo pelas ruas. Café amargo na padaria. Cigarros. Tomou. Fumou. Caminhou solitário por horas. Pensativo.

Da esquina olhou a mulher varrendo a rua. Seria fácil. Atravessar a rua, pegar a arma, dois tiros. Sempre dois tiros. Um no peito ou nas costa, outro na cabeça. Fatal. Sentiu a arma no coldre sobre a camisa, encaixado no cós da calça. Não havia mais ninguém na rua. Seria fácil. Pegou a arma, olhou o alvo. Quando pensou em atravessar a rua, uma criança saiu pelo portão da casa e ficou conversando com a mulher. Ele recuou, escondeu-se novamente na esquina. A menina ficou brincando na calçada enquanto a mulher recolhia o lixo. Era uma menina linda. Duas marias-chiquinhas nos cabelos. Não podia ter testemunhas. Esperaria outra oportunidade.

Perambulou pelas ruas. Não comeu. Não bebeu. A cabeça conturbada. Os pensamentos perdidos. A mulher estava viva. Voltaria depois. “Sem testemunhas” - pensou.
Fumou.

Voltou à tarde. Depois de horas. “Deve passar das cinco” - imaginou. Olhou a rua. Deserta. “Sem testemunhas” - pensou. Sentiu a arma na cintura. Atravessou para o outro passeio. Passos firme. Pensamento fixo em seu alvo. Pulou o muro e caminhou pelo corredor até a porta da cozinha. Ouviu a mulher cantarolando no quarto. Conhecia a casa, já esteve ali muitas vezes, em seus sonhos. Era tudo como em seus sonhos. A porta estava aberta. Entrou. Sangue frio. Pegou a arma. A mulher estava de costas passando roupa. O peito bateu forte, os dedos tremeram. Um tiro nas costas, a mulher caiu morta. Outro tiro da cabeça. “Fatal” - pensou, não podia haver erros. Era uma mulher muito bonita. Pegou as cápsulas no chão. Não podia deixar pistas. Saiu da casa. Pulou o muro. Olhou para os lados. Não havia ninguém. Sem testemunhas.

Ficou aliviado, agora estava tudo feito, não podia voltar atrás. Sorriu. Caminhou por duas quadras. A menina veio correndo. Linda. Mochila nas costas. Cabelinhos louros, com duas marias-chiquinhas. “Dois tiros”. “Duas marias-chiquinhas”. Pensou. A menina pulou em seus braços. “Oi papai!”