Gula, Avareza, Luxúria, Ira, Preguiça, Vaidade e Orgulho.
Um Cientista, homem inteligente, com duas faculdades, doutorado em
robótica, mestre de uma universidade federal, entrou em sua máquina, satisfeito
com os experimentos que fizera e com os resultados que obtivera anteriormente,
programou, data, hora e coordenadas no computador, ligou alguns botões, puxou
uma alavanca e o aparelho rodopiou velozmente soltando jatos de vapor e
desapareceu.
Em outro lugar, um apito ecoou, um pequeno redemoinho apareceu do nada, fazendo
os galhos das árvores chacoalharem e a máquina do tempo surgiu no meio da
poeira e das folhas secas que voavam.
Depois dos minutos que ficou desacordado, o cientista, condutor da
máquina, despertou e ficou boquiaberto com o que acabara de acontecer: voltou
milhares de anos no tempo, surgindo em um lugar que se aparentava com o paraíso
descrito nos contos e mostrado nos filmes de ficção.
Saindo de sua máquina, começou a fazer uma excursão pelo local em que
havia chegado. Passou por um grande pomar onde centenas de árvores frutíferas de
dezenas de qualidades diferentes, expunham seus frutos maduros para quem
quisesse comê-los. Também existiam ali, vários animais, que correram amedrontados
com o barulho da máquina e que agora voltavam curiosos para saber quem era aquela
criatura estranha que invadia seu habitat. Eram de várias espécies, umas
conhecidas e outras que o cientista nunca vira antes.
Depois de algum tempo caminhando pelo grande pomar, o cientista avistou
um grande jardim cheio de flores perfumadas. Dezenas de orquídeas, rosas,
margaridas, bromélias, e crisântemos, todas multicoloridas. Era um banquete
para os pequenos beija-flores, borboletas e abelhas que voavam de uma à outra
sugando néctar. Ele sentiu um misto de alegria e de espanto.
Porém, seu espanto foi maior quando ele viu um homem completamente nu
saindo de um casebre de madeira coberta por capim. Era um rapaz jovem e magro
de cabelos longos e negros. Carregava uma espécie de vasilha feita de cipós
trançados e rumou para os lados do pomar por onde o cientista acabara de passar.
Foi-se trôpego e desapareceu por entre as árvores.
O cientista imaginou que realmente havia voltado muito no tempo.
Provavelmente na época que tinha escolhido e programado em seu computador. No
tempo da criação.
Aproveitando-se da ausência do outro ele vistoriou a pequena casa. De
aparência humilde por fora e por dentro, o casebre continha apenas um local no
chão coberto por peles de animais, provavelmente a cama, e um pote de barro com
algumas frutas apodrecidas.
Ao retornar para fora ele ouviu o barulho de água batendo contra pedras, como
se fosse uma cascata, e procurou saber de onde vinha. Apurou os ouvidos e
escutou junto ao barulho das águas uma voz suave que cantava uma melodia
ininteligível. Ele andou por entre os arbustos e poucos metros depois avistou ao
longe um pequeno rio de águas cristalinas e mais longe, viu uma mulher que se
banhava nua em suas águas. A bela mulher, ainda jovem, tinha cabelos longos e
pretos, seu corpo era todo esguio e sua pele rósea brilhava ao sol. Levava
sobre uma das orelhas uma linda orquídea amarela e, amarrados nos pulsos,
braceletes de contas e de sementes. Ele comprovou então que aquilo tudo era o Paraíso.
Ele ficou escondido atrás dos arbustos durante vários minutos vendo
aquele Ser fascinante, que só podia ser uma Iara, banhar-se e cantarolar. Olhou
para todos os lados certificando-se de que estava só, porém não estava. Em sua
frente, um pouco à direita e enrolada em um galho de árvore, cujos frutos se
assemelhavam a maças, uma criatura também olhava a moça com muita curiosidade.
Era uma grande serpente. Um arrepio de terror passou pelo corpo do cientista quando
ele viu o verdadeiro tamanho do animal. A criatura tinha cerca de dois metros
enrolados no galho, mas seu corpo estendia-se pelo chão sobre a folhagem por
mais uns três e sua cabeça podia ser comparada com a de um cão pastor alemão. Sem perda de tempo ele apanhou no chão um
galho forte. Caminhou sorrateiramente por entre os capins tentando não fazer
barulho que pudesse despertar o ofídio que estava absorto no exame da jovem no
rio. Levantou o galho e desceu violentamente sobre a cabeça do animal. Quando
este tentou atacar o cientista, recebeu novamente várias pancadas, sempre
fortes e aplicadas bem no centro da cabeça. O animal não teve chance e ficou
dependurado no galho. A força utilizada foi tão grande que a cabeça do animal
ardiloso ficou esmagada e seu sangue todo se exauriu. “Esta criatura nunca mais
fará mal a alguém” - pensou.
A mulher no riacho mergulhara na poça que se formava na queda da cascata
e não ouviu e nem viu o que aconteceu.
Ele continuou a olhar aquela fada se refrescando nas águas do riacho. Ela
mergulhava e retornava, mergulhava e retornava, brincando na água. Ele se aproximou
da margem do riacho, mas enquanto caminhava, pisou em um galho seco, quebrando-o,
e o barulho despertou a bela ninfa do seu banho infinito. A curiosidade nasceu
naquele instante e ela veio para ver quem estava ali. E o cientista que viajava
no tempo não conseguiu se esconder – e ficou enfeitiçado por aquele corpo
fascinante.
- Quem é você? - Perguntou curiosa.
- Meu nome é serpente – mentiu pensando no animal que acabara de matar -
e sou um viajante do tempo. E qual é
o seu?
Ela lembrou-se que o homem com que vivia dava nomes a todos os Seres ali
existentes. O Homem deu nome às ovelhas, aos porcos, aos coelhos e aos outros animais
e se esquecera de dar um nome a ela.
- O meu é galinha – mentiu lembrando-se do primeiro nome que lhe veio à
mente. E surgiu a mentira.
- Galinha?- falou assustado o viajante. E depois se calou, não perguntou
o porquê dela ter mentido, pois para ele não havia nenhuma importância naquilo.
Ele caminhou para mais perto do rio, descalçou-se e entrou na água, ficando
bem perto dela. Ela sorriu e inocentemente ajuntou as mãos, encheu-as com água
e jogou sobre a cabeça dele. Ele também sorriu para ela, depois, lavou o rosto
e bebeu daquela água. Ela sentou-se no leito e começou a jogar água nele, brincando
como uma criança.
Ele ficou ensopado. Retirou toda a roupa e foi se sentar na areia ao lado
dela. Ela viu que ele tinha o corpo como o do outro homem que ela conhecia.
Como estavam sob um pé de frutas comeram e se lambuzaram com eles. E ele,
vendo sua simpatia e estando encantado por ela, beijou-a e se deitou com ela na
areia, ficando ali juntos por algum tempo. E foi assim que nasceu a luxuria.
Dormiram na areia. E ao acordarem comeram outros frutos. Muitos frutos. Amoras
silvestres, maças, uvas, ingás e outras que ele sequer conhecia. E assim nasceu
a gula.
Pouco tempo depois, eles ouviram um barulho de passos sobre o capim, ela
se levantou assustada.
- É ele – disse. - Está de volta.
- E o Cientista se lembrou do homem nu que vira quando chegou e resolveu
sair correndo. Juntou suas roupas e disse adeus. Pulou uma cerca natural
formada por galhos e trepadeiras e sumiu na mata. Covardemente fugiu.
A
mulher não compreendeu aquela fuga. Chamou-o. Tentou ir atrás dele, mas ele
desapareceu pela mata adentro.
O homem nu chegou trazendo muitas
frutas. Ofereceu para ela. Ela não quis comer. Já havia comido muitos frutos.
- Uma Serpente viajante do tempo esteve aqui e nos comemos os frutos
desta árvore. – disse para o homem que vivia nu.
- Desta árvore? Eu já lhe disse que este fruto é proibido e mesmo assim
você comeu?
- Estes frutos são deliciosos – explicou-se. E assim surgiu a
desobediência.
O homem não quis conversar. Ficou
bravo e foi embora para sua casa deixando-a sozinha. E a mulher ficou triste
por não ter mais ninguém para quem contar às novidades que vivenciara. Ficou
magoada com o homem que vivia nu e com a Serpente
viajante do tempo.
Horas depois, o homem saiu para procurar a serpente e encontrou-a morta. Viu
que seu sangue escorreu até o rio e deixou suas águas vermelhas e seus peixes
mortos.
- Eu encontrei a serpente e ela está imóvel – disse para a mulher quando
voltou - Parece que a cabeça dela estourou. E sobre ela já pousam moscas e
outros insetos.
-Onde? Onde você a encontrou?
- Próximo do rio.
A mulher correu para o rio pensando em encontrar a Serpente viajante do tempo, porém só encontrou a gigantesca serpente
morta.
Ela procurou o viajante do tempo por muitos dias na beira do rio, no
jardim, no pomar e em todas as matas que conhecia. Chamava por seus nomes e não
obteve nenhuma resposta para suas dúvidas. De onde veio? Para onde foi? E ficou
muito tempo sem se banhar nas águas vermelhas do riacho, com medo de morrer
como a serpente e os peixes.
Não existia mais a serpente que se parecia com homem, e da outra
serpente, a que se arrastava, agora só existiam os ossos. E a mulher ficou muito
triste e depressiva e assim nasceu a melancolia.
Durante longo tempo, em seus sonhos, ela o via sorrindo e se banhando no
riacho. Jogavam água um no outro, se escondiam atrás das pedras e mergulhavam
nas águas mais fundas dos rios. Depois comiam os frutos proibidos e após
descansarem ela o via a seu lado com a cabeça estourada. Ela acordava assustada
e molhada de suor. E assim surgiu a saudade.
Passavam dias e noites e sua barriga crescia.
- Não vá. Não! - ela dizia nos sonhos. E durante seu sono ele aparecia
novamente coberto de sangue.
Passaram muitos dias e sua barriga estava muito grande.
E o homem com quem ela vivia não foi
mais colher os frutos, e não deu mais nome aos animais que ali apareciam, e
também não foi trançar suas redes e seus colares, e nem fazer potes com o barro
do rio. E foi assim que surgiu a preguiça.
E o dia dela dar a luz chegou. Ela descobriu que era como os outros
animais, que podia fazer dentro de si outro ser como os bichos faziam. Nasceu
uma criança linda. Ela quis escolher um nome como o homem fazia com os animais.
Ele, preguiçoso como estava, deixou e riu pensando que ela não seria capaz. Ela
queria ter dado o nome de Serpente, mas o homem proibiu, pois já existia um
animal que se chamava Serpente e ela deu o nome de Viajante à criança.
E passou algum tempo. E as águas do rio ficaram cristalinas novamente. E
em um lindo dia de sol, enquanto a criança dormia, ela chamou o homem para se
banhar. Eles se lavaram, brincaram de jogar água, depois deitaram na areia,
comeram dos frutos da árvore da beira do rio. E ficaram felizes. E Isto se
repetiu muitas vezes. E outra vez a barriga cresceu e outra vez uma criança
nasceu e também era bela. E ela lhe deu o nome de Tempo.
As crianças cresceram e viram que tinham muitas diferenças em seus
gostos. Um gostava de cultivar a terra e colher frutos, e o outro gostava de
pastorear e caçar os animais.
E o viajante do tempo voltando ao seu tempo, fugido, leu em seus livros
de história, viu que ele nada tinha alterado do passado e do presente. Ficou
feliz de seu espetacular passeio e decidiu voltar ao passado o mais rápido que
pudesse. Preparou sua máquina para voltar ao passado, programando-a para cerca
de vinte anos depois da época que havia ido primeiro. Colocou tudo no
automático. Descansaria e partiria assim que amanhecesse o dia, no seu tempo.
Durante a noite ele recebeu a visita de sua irmã mais nova, de seu
cunhado e de sua sobrinha, a qual ele era padrinho e havia escolhido o nome.
Enquanto ele foi buscar café na
cozinha, sua sobrinha foi até ao laboratório no porão e avistou a máquina. Curiosa,
se sentou na poltrona da máquina. A porta se fechou. Zum. Automaticamente a
máquina a transportou para a época que estava programada. A moça foi para o
passado.
Ela ficou assustada no princípio,
mas ficou encantada logo em seguida com a beleza do jardim. Desceu ainda tonta
do aparelho e viu as borboletas de várias cores e sentiu o perfume intenso das
flores.
Caminhou explorando aquele lugar
estranho até se deparar com dois belos rapazes que se banhavam nas águas
cristalinas de um rio. E viu que eles estavam sem roupa e que não tinham pudor.
E sentiu o cheiro de terra em um, e o cheiro de bicho no outro. E eles sentiram
que ela tinha cheiro de flores e que de sua boca saiu um hálito refrescante. E
eles se apaixonaram por ela. E assim nasceu o amor. E ela ficou abismada com os
dois. E eles queriam saber quem era ela.
- Eu? Sou a Eva. – respondeu abobalhada. Pensando
até que fosse alguma brincadeira.
- E vocês quem são?
- Eu sou o Viajante – falou o
mais alto, dando-lhe uma flor.
- E eu sou o Tempo – falou o
mais sorridente, fazendo uma borboleta sair voando de suas mãos.
Ficaram se olhando embriagados pela beleza que tinham.
- Eva?Eva! - Murmuravam os dois quase soletrando.
Nasceu um diálogo entre os três. E os machos disputavam para ver quem
mais perguntava e quem mais obtinha respostas da jovem.
Conversaram por muito tempo e lhe deram frutas e carnes para comer e até
trouxeram, em suas bocas, água para que ela bebesse.
Quando anoiteceu ela conheceu a
mulher e o homem, pais dos rapazes, e ficou sabendo quem eram aquelas pessoas,
e sentiu orgulho do tio e de sua invenção. E o orgulho começava a nascer.
Ela gostou do passeio, mas queria
retornar ao seu tempo. Querendo ir embora para o seu tempo, porém não conseguia
fazer a máquina funcionar. Apertou todos os botões, mexeu no computador e não obteve
o resultado que queria. Passou a noite na pequena cabana e viveu junto deles
por alguns dias.
Ganhava frutos, ganhava ovelhas e até o homem mais velho lhe dava
presentes. Cestos, colares, redes, tudo era presente. Ela chorou muitas vezes, pois queria voltar
para casa. Era muito triste para uma moça de sua idade ficar ali sem ter o luxo
com o qual estava acostumada.
Ela ensinou a mulher a se cobrir com trajes feitos de palhas e folhas, a
se pentear com os dedos, a se perfumar com as flores e a se maquilar com tintas
retiradas de sementes. E assim nasceu a vaidade.
A mulher descobriu certa vez quando
se banhavam juntas, que elas tinham os corpos iguais, e era por isso que os
homens agradavam tanto aquela moça. A
mulher percebeu que Eva passou a ganhar os melhores frutos e os presentes mais
bonitos dos homens. Teve pensamentos e sonhos estranhos e depois passou a não
falar ou ficar perto de Eva. E nasceu a inveja.
Certo dia a mulher chamou o homem
para junto dela e lhe disse que os filhos deveriam se mudar dali. Porque era
assim que os pássaros e os bichos da mata faziam.
Quando eles se mudaram, Eva resolveu
ir se banhar com os rapazes e eles se sentiram ainda mais atraídos por ela.
E Tempo passou a dividir seus
animais só com Eva. Enquanto seu irmão que sempre trazia frutos para casa só os
entregava para ela. O Tempo não podia
colher mais frutos já que seu irmão Viajante
é quem tomava conta dos pomares. E a carne, só o Tempo podia comer, visto que ele era o pastor dos animais. Nem para
seus pais ele repartia, para que esses não descem para seu irmão Viajante. E se sentiu poderoso, por
poder criar animais e conseguir caçá-los. E assim orgulho surgiu de vez.
Cada um queria tudo só para ele,
para mostrar para Eva que ele era o melhor, o mais poderoso e o mais rico. Foi
assim que nasceu a avareza.
Eva queria os dois, pois com os dois ela ficava completa. Contudo quando
eles ficavam juntos com ela eles sempre brigavam. Precisou escolher um deles. E
como não tinha mais esperança de retornar para o seu tempo, precisava se
adaptar a aquela situação. Eva escolheu o Tempo
porque ele era mais caridoso e mais bondoso e tinham quase a mesma idade dela.
Enquanto que o Viajante era muito
mandão e era muito parecido com os seus familiares, com sua mãe e com seu tio.
E o Viajante sentiu ciúmes e ódio e assim nasceu a ira.
E o Tempo desfilava com sua
amada e com seus animais pelos jardins e pelos pomares de seu irmão.
Viajante jogou frutos podres em
seu irmão e em Eva, sujando-os. Ela se lavou no rio e colocou as roupas com que
viajara para que o outro não a visse mais nua. Em um momento de ira eles
brigaram violentamente. Viajante
matou seu irmão Tempo. E aconteceu o
primeiro homicídio.
E Viajante queria a jovem Eva
para ele. Mas ela teve muito ódio dele e correu para casa do homem e da mulher,
para que a socorressem. Eles não estavam lá e Eva correu para a mata tentando
se esconder enquanto o homicida a perseguia raivoso. Ela correu até perto da
máquina do tempo, abriu a porta e entrou nela para se esconder. Passaram-se
alguns minutos e Viajante apareceu.
Tentou abrir a porta. Esmurrou a máquina. Chutou-a e ela não abriu. Luzes
começaram a piscar dentro da máquina e Eva ficou muito apavorada e com medo de
que Viajante consegui-se abri-la. Um
apito ecoou por entre as árvores e instantaneamente Eva apareceu no laboratório
do seu tio.
Ela abriu a porta e saiu chorando, mas feliz por ter voltado. Subiu as
escadas rapidamente e ao entrar na sala viu que seu tio chegava com o café na
bandeja.